O que podemos fazer em três segundos? Aonde podemos chegar com três passos? O que podemos escrever em três linhas? Muito mais do que se possa imaginar. Desde o século XIV, com Dante Alighieri, o autor da Divina Comédia, esse é um desafio que tem assaltado vários escritores. Boccaccio, Petrarca, Byron, Shelley, Schlegel, Gregório de Matos, Machado de Assis, Olavo Bilac foram alguns dos seus cultores. No Brasil, no início do século XX, assistimos à chegada do haicai terceto de origem japonesa, que teve como maior divulgador, então, o poeta Guilherme de Almeida (1890-1969) mas cujo precursor foi, em verdade, o escritor baiano Afrânio Peixoto (1876-1947). Desde então, inúmeros poetas têm se dedicado a experimentar, com maior ou menor intensidade, a estrutura poética que convencionou-se chamar terceto, herdeiro da terza rima italiana.
Encontramos tercetos nas obras de inúmeros escritores, como Drummond, Guimarães Rosa, Adélia Prado e, principalmente, Alice Ruiz, Mário Quintana, Paulo Leminsky, Millôr e Olga Savary.
Nos estertores do século XX, surge na Bahia, uma nova proposta que procura revitalizar o exercício do terceto: é o Poetrix, definido como um terceto contemporâneo de temática livre, com título, ritmo e um máximo de trinta sílabas, possuindo figuras de linguagem, de pensamento, tropos e/ou teor satírico. A palavra POETRIX (neologismo criado a partir de POE, poesia e TRIX, três) surge pela primeira vez no Manifesto Poetrix, publicado no livro TRIX – Poemetos Tropi-kais, de Goulart Gomes (Bahia: Pórtico Edições, 1999), lançado na Feira do Livro da Bahia (hoje, Bienal) e premiado com Menção Especial no Prêmio Jorge de Lima, outorgado pela Academia Carioca de Letras e União Brasileira de Escritores do Rio de Janeiro, em 2000.
Além de conquistar novos adeptos a cada dia, proporcionando uma verdadeira revitalização do terceto, o poetrix vem sendo cada vez mais utilizado por professores dos níveis fundamental, médio e superior – como um elemento de ampliador de leituras e intertextualidades, potencializando o universo criador de seus alunos. Por ser breve, conciso, objetivo e, contudo, abrangente, o poetrix consegue de um modo inusitado, facilmente despertar o gosto, a fruição, o prazer de ler e enxergar além das palavras explicitadas, instigar a pessoa a ir em busca do sentido polissêmico das palavras e expressões, a se lançar na doce aventura de outras leituras (até mais extensas), a consultar o dicionário e a gramática normativa numa perspectiva funcional, utilitária.
As atividades grupais, promovidas numa perspectiva dialógica interacional bakhtiniana criam teias de cumplicidade entre as pessoas envolvidas e, na escola contemporânea especialmente, essa parceria configura-se como algo essencial à construção e reconstrução do conhecimento. E nesse processo criativo, de diálogo entre interlocutores e entre discursos, a linguagem polifônica do poetrix cai como uma luva!
Assim, ao promover oficinas de criação literária envolvendo a poesia, o professor pode partir de temas propostos por ele ou por seus alunos ou até mesmo de poetrix feitos por outros autores (que poderão servir, inicialmente, como referência) e instigar as pessoas a ousarem criar e/ou recriar produzindo intertextualidade, outras diversidades de vozes. As formas múltiplas de poetrix – duplix, triplix, multiplix – que são resultado da junção de dois ou mais poetrix.
Os criadores do duplix, Pedro Cardoso e Tê Soares, ambos radicados em Brasília, assim o definem: “A forma múltipla de poetrixar é algo como construir um quebra-cabeça ímpar: na sua construção nós temos que garimpar as palavras para que possam dar sentido ao novo poema, ele não é um simples complemento de uma idéia anterior. Na verdade, são poemas independentes e absolutamente autônomos que interagem. Algumas vezes eles são tão bem feitos que permitem a mudança de posição (AB) para (BA), sem perder a qualidade.”
O duplix é como um casamento, onde você tem que respeitar os limites do outro (pontuação, concordância verbal, etc). O título é outro elemento que deve ser harmonizar com o poetrix original. As formas múltiplas de poetrixar configuram-se numa singela aproximação entre aqueles que escrevem poetrix, e dessa aproximação podem nascer afetividades de interlocutores que dialogam poeticamente: são os parceiros de uma enunciação que vai se complementado à medida que outros sintonizam com as idéias-vozes que vão surgindo. Esta modalidade nasceu justamente dessa polifonia intertextual, a qual convoca o leitor a elaborar uma compreensão respondente formadora de novas teias que ampliarão as idéias precedentes, complementando-as.
Há pouco surgiram os clonix que são poetrix feitos a partir de outros já existentes, mudando-se apenas uma ou outra palavra ou expressão, porém inaugurando no novo um sentido muitas vezes, inteiramente diverso do original. Compreender, nesse contexto, é opor à palavra do locutor uma contrapalavra (Bakhtin, 1986: 131, 132). Finalmente, surgiram os grafitrix que são poetrix ilustrados numa tentativa de concretização do diálogo entre o texto e a gravura.
Desse modo, com uma exploração do objeto significante, da riqueza semântica das palavras e dos sentidos polissêmicos das frases, o poetrix oferece um ponto de partida (o título) e variados caminhos para o entendimento da mensagem, que variará muito em função do universo pessoal de cada leitor, possibilitando diferentes níveis de leitura. Se ler é uma grande viagem, o poetrix é uma passagem ao portador com destino a qualquer lugar. O devaneio é permitido, o texto deixa de pertencer ao autor para ser do leitor, que o torna uma coisa sua, e mais, que serve de trampolim para o seu próprio texto, alterando, modificando, acrescentando ou subvertendo o anterior.
Por exemplo: no poetrix I...lha, de Aila Magalhães, do Ceará (Sentia-se tão ilha / Que nem mar / havia...), a autora além de produzir uma imagem metafórica de alguém tão solitário que não consegue ver/sentir nada à sua volta, faz um trocadilho com seu próprio nome, se lermos a letra ‘I’ como no idioma inglês: ‘Ai’. Em Lusco-Fusco, Djalma Filho (Bahia) transforma o substantivo ‘armadilha’ em um verbo, similares aos seus sinônimos ‘emboscada’ ou ‘tocaia’: “Deitada, / quase apagada, / a noite armadilha”. Pedro Cardoso (Brasília), lança um universo de possibilidades em três versos, no seu poetrix Fome: “o abismo / entre a mão e a boca, / tem nome”. Em Cigarra, Jussara Midlej (Bahia), alia imagens/mensagens de várias supostas ‘mortes’, num retrato melancólico de fim-de-tarde, quando tudo parece entristecer. A personagem central do seu texto vem no título, item fundamental do poetrix, que pode definir ou induzir o sentido que se pretende dar ao texto: “canto saudade / na morte lenta / da tarde”.
Possivelmente outras leituras desses poetrix podem ser feitas, o que só depende da “viagem” de cada um. Tanto mais rico é um poetrix quanto possa permitir que o não-dito fale mais que visível. Ao contrário dos ‘recibos’, no poetrix vale mais o que não está escrito.
Como exemplo das formas múltiplas, - a palavra a duas ou mais vozes - o poetrixta Martinho Branco (Portugal) escreveu o poetrix Aquacultura: “Um mar / de peixes como couves / na horta”. A poetrixta Aila, ‘incorporou-o’ e complementou-o com o poetrix Em teu jardim: “verde-água / brotando / de teus olhos...” A junção dos dois resultou no duplix Aquacultura em teu jardim: “Um mar verde-água / de peixes como couves, brotando / na horta de teus olhos. Uma composição a quatro mãos.”
O Movimento Internacional Poetrix - MIP, com representantes em vários estados brasileiros, além de Portugal, Venezuela, Espanha, EUA, Itália e Colômbia é a organização responsável pela difusão dessa nova linguagem poética, realizando concurso internacionais, eleições de melhores do mês e mantendo o blog Movimento Poetrix - http://movimentopoetrix.blogs.sapo.pt. Alinhado com a velocidade tecnológica do terceiro milênio, o poetrix encontrou campo fértil na Internet, onde tem sido bastante propagado. Oficinas, apresentações e debates (principalmente no grupo virtual poetrix@yahoogrupos.com.br) também tem contribuído para a sua expansão.
Assim é o poetrix: apenas três linhas, mas que fazem tanta diferença na razão e na emoção de quem o lê quanto três segundos para um piloto de Fórmula Um ou três passos para um maratonista.
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