O mundo literário parece não ter fim, todos os dias
novos escritores saem do anonimato e, assim, vamos registrando as nossas
"loucuras" neste planeta repleto de grandes mistérios e metáforas,
quase impossíveis. Mas nada se compara ao gratificante "poder"
mostrar o que escrevemos no intuito de exibir, expor, descrever e narrar o
mundo tal qual o percebemos.
No início nós nos encantamos com o magnetismo do
poetrix. Mais recentemente, estudando-o e fazendo o caminho inverso, fomos
envolvidos pela poesia japonesa, em especial o hai-kai que, imaginamos, nos
tenha prendido a atenção por sua concisão e beleza.
Por outro lado, este mundo globalizado nos leva a
pensar rápido e com muita criatividade, exatamente como exige o tanka e o
renga. Para que entendêssemos aqueles versos minúsculos no formato, mas enormes
nas entrelinhas, foi necessário mergulharmos profundamente entre o imaginário dos
japoneses e a perspicácia poética de um jovem escritor baiano – Goulart Gomes.
Com os japoneses aprendemos o hai-kai, com a poesia de
Goulart Gomes, conhecemos a grandeza do poetrix e, nós, Pedro e Tê Soares,
"descobrimos" o prazer do duplix. Porém, antes do nosso
"invento", vamos trocar umas palavrinhas sobre o renga e o tanka.
Renga é, provavelmente, a poesia mais antiga dos
japoneses. É um poema encadeado, uma sucessão de estrofes que se relacionam. Do
renga, seguiram duas vertentes, uma mais aristocrática e outra mais popular. O
renga era escrito coletivamente e, às vezes, o tema era sugerido pelo
Imperador. O importante era dar vazão ao fluxo constante de imagens que iam se
sucedendo, embora alguns fugissem à regra. Como exemplo, apresentamos um renga
escrito por uma única poetisa, Alice Ruiz.
Renga da noite
noite escura
de luz a luz
nenhuma dívida
ontem hoje amanhã
trabalho pra madrugada
noites tardes manhãs
noite no mato
o cheiro de açucena
é nosso lume
noite de verão
escrevendo vento
eu e o vento
noite de verão
vem com a brisa
um cheiro de primavera
noite no escuro
pensando que era barata
matei o vagalume
noite cheia
lua minguante
meu quarto crescente
Já o tanka é um poema curto, teoricamente composto em
31 sílabas gramaticais, organizadas em cinco versos que obedecem a uma lógica
de cinco e sete sílabas (5-7-5-7-7). Os camponeses participavam dos tankas
enviandoseus poemas a partir de um tema proposto pelo Imperador. Fugindo a esse
modelo, apresentamos um dos tankas de Helena Kolody. Não poderíamos deixar de
dizer que ela foi a primeira mulher a publicar hai-kai no Brasil.
Pirilampejo
O sapo engoliu
a estrelinha que piscava
no escuro do brejo.
Ficou mais sombria a noite
sem o seu pirilampejo.
Depois do renga, do tanka, do hai-kai e finalmente do
poetrix, que é, por definição "um poema composto de título e uma estrofe
de três versos (terceto) com um máximo de trinta sílabas métricas" nós
caminhamos em outras direções, construímos os primeiros duplix, que são
composições que partem de um poetrix pronto e acabado, que foi escrito por
outro poeta, não importa em que data ele tenha sido escrito. É importante
deixar claro que não consideramos como duplix o autoduplix.
O duplix pode ser construído tanto do lado direito
quanto do esquerdo do poetrix tomado como base, portanto a posição fica a
critério do segundo autor. Veja que estamos falando da posição dos poemas
(direita e esquerda), o que não acontece nem no tanka e nem no renga. Algumas
vezes o duplix é tão justo que podemos colocar os poetrix em qualquer posição,
tanto a direita quanto a esquerda sem que haja perda no sentido.
Aqui, neste exemplo, o poema base é o de Guilherme de
Almeida. Tanto o poetrix "Amor Platônico" quanto "Presentes dos
deuses" foram escritos recentemente.
Infância Amor
Platônico
Guilherme de Almeida (SP) Pedro Cardoso (DF)
Um gosto de amora//ficou na minha boca,
comida com sol. A vida//radiante,
chamava-se: "Agora."//o beijo de Clarice
Presente dos
deuses Caridade
Pedro Cardoso (DF) Guilherme de Almeida (SP)
em meu jardim//desfolha-se a rosa
a mulher amada//parece até que floresce
é uma estrela, uma nova estrada...//o chão cor-de-rosa
É obrigatório que conste, no duplix, o nome dos dois
autores, para que fique comprovado que não se trata de autoduplix. Como o
duplix é uma composição encadeada, podemos acrescentar outro poema. Assim ele
recebe um poetrix feito por uma segunda pessoa, que junta o seu poetrix ao
poetrix "base" de forma que os dois se completem. Quando chegam a
três, chamamos de triplix, daí em diante chamamos de múltiplos: multiplix (e
deve, igualmente, constar o nome das três pessoas que o compuseram).
Se compararmos com o renga, o duplix também é um poema
encadeado, só que, na horizontal e não na vertical, como pode ser constatado no
renga "Pirilampejo" e no "Renga da noite". É oportuno
destacar que, no renga, verifica-se uma sucessão vertical de idéias, no duplix
a complementação da inspiração se dá na horizontal. No duplix, cada poetrix é
único, completo em si mesmo quando apresentado sozinho, mas é também um texto
aberto o suficiente para aceitar a parceria de outro poetrix. No renga e,
também no tanka, os poetas eram convidados para escreverem um dado poema, cada
um dava sua contribuição. No duplix não existe este convite, ele é feito quando
um poeta gosta do poema do outro autor e vê, nele, a possibilidade de um complemento.
É como se fosse uma homenagem, ou um casamento de idéias.
O duplix e suas formas múltiplas têm a vantagem de
poderem ser construídos com autores que viveram em outras épocas, em outros
países, em outros idiomas, sem a necessidade de tradução, o que, muitas vezes,
descaracteriza o poema original. Exemplos destes poemas.
Hijo Iluminado
amor
Hernán J. Restrepo (México) Lílian Maial (RJ)
Braza//rayo crepitante
del fuego//que nunca se apaga
que una vez encendimos//y aún hoy quema
Foto(grafia) Revelada
Pedro Cardoso (DF) Angela Bretas (EUA)
em seu corpo//no quarto escuro
vou revelar//só para ti
os meus segredos//preto no branco.
O poeta que vai fazer o duplix, não pode alterar em
nada a composição do outro autor. Ele tem que respeitar inclusive a pontuação
original para que o duplix seja considerado como poema e não tire o sentido do
poema tomado por "base".
O renga e o tanka, quando acabados, se tornam poemas
únicos, ou seja, a leitura é uma só. No duplix isso não ocorre, pois no final
da composição nós temos três poemas literalmente independentes, ou seja, os
três poemas terão que ser lidos individualmente e em conjunto. Assim poderemos
ler: o poetrix original; o que foi feito depois e os dois ao mesmo tempo - o
que constitui o terceiro poema - sem que perca o sentido poético e, que, o
conteúdo seja algo continuado ou até mesmo diferente da idéia inicial.
O poetrix é um poema que pode ter até 30 sílabas
métricas, além do título, portanto o duplix pode ter até 60 sílabas, e
obrigatoriamente terá dois títulos que também terão que ter uma relação lógica
entre eles. Exemplo:
Noiva
Aila Magalhães (CE)
prometo amar-te
esperarei por ti,
enquanto a vida nos separe...
Sem segredos
Goulart Gomes (BA)
de alma virgem
em minha fortaleza
até que o tempo nos una
Noiva Sem
segredos
Aila Magalhães (CE) Goulart Gomes (BA)
prometo amar-te//de alma virgem
esperarei por ti,//em minha fortaleza
enquanto a vida nos separe... //até que o tempo nos
una
No tanka como no renga, as estrofes deveriam ter
apenas 17 sílabas. Nas composições múltiplas esse número é definido pelo número
de poetrix que são acrescidos, ou seja, cada poetrix pode ter até 30 sílabas
métricas. Isto nos permite dizer que o duplix pode ter 60, e o triplix 90... e
assim por diante. É importante dizer que no duplix, no triplix e formas
múltiplas, nós só temos uma estrofe e, que ela, não precisa necessariamente ter
fim, pois a qualquer momento, outro poeta pode acrescentar um novo poetrix. Já
tivemos casos que chegaram até oito poetrix encadeados. Um exemplo de multiplix:
Maratona
/ Mar à tona / Amor à tona / Amar à tona
escrever//no
risco das palavras//linha alinha//Rabiscar sentidos inversos
é
dilacerar a alma//afogando//dramas tardios//->A n o t a r a t o n A<-
em
versos//resgato alegrias//em pálidos Domingos//-->R e v i v e R<-
Pedro
Cardoso(DF)/ TecaMiranda(JF)/ Djalma Filho (BA) Marcelo Marques(SP)
Outra característica que diferencia os tankas e os
rengas das formulas múltiplas, é que, nessas, os poemas são separados por duas
barras paralelas "//". Há que se notar que a estética desses poemas é
diferente, o visual dos múltiplos tende aos horizontes (direito/esquerdo),
enquanto que nos tankas e rengas, eles tendem apenas para o centro da terra
(para baixo).
Finalmente, este foi o nosso primeiro duplix.
EU e EU
Pedro Cardoso (DF) // Tê Soares (DF)
Menino carente//menina contente
feito pinto no lixo//feito quem brinca de cochicho
rega a vida, enganando a boca//negando a dor, veemente
e louca
PS: um dos que mais gostamos.
Juras Ausente
Te Soares(DF) Pedro Cardoso (DF)
No dorso amante,//do homem nu
a mão ausente//recende...
é dor só.//Solidão.
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